Autores, professores e estudantes se manifestam em favor do livrosdehumanas.org em redes sociais desde a última quinta-feira –no Twitter, tem sido usada a tag #freelivrosdehumanas.
O site, por onde se podia baixar gratuitamente um número aproximado de 2.300 livros, saiu do ar depois de ser notificado pela justiça.
À frente da ação está a ABDR – Associação Brasileira de Direitos Reprográficos, que responsabiliza o site por uma das maiores ações de pirataria já ocorridas no país, prejuízo estimado em R$ 200 milhões.
Essa é a terceira vez que o livrosdehumanas.org tem de sair do ar. Um ano atrás, foi suspenso pelo wordpress, que então o hospedava —vá por aqui para ler a esse respeito no caderno “Prosa e Verso”, do Globo.
Quando estreou, em 2009, o site funcionava no blogspot, até o dia em que o Google lhes avisou que o conteúdo indexado era protegido pela lei americana. Por precaução, os organizadores o tiraram do ar. O endereço ainda está ativo, vá por aqui.
Thiago, moderador do livrosdehumanas.org, aceitou conversar com o blog esta noite, respostas por e-mail.
A medida da ABDR surpreendeu? “Um pouco. Apesar de algumas ameaças da ABDR, nunca imaginei que editoras que publicam livros utilizados basicamente por universitários adotariam estas medidas. Pela movimentação das redes sociais podemos verificar que a perda de credibilidade delas perante o público que consome livros foi imensa. E quem baixava no livrosdehumanas.org é basicamente o mercado consumidor destas editoras. Há muitos depoimentos de estudantes no Twitter ou na nossa página no Facebook que diziam conhecer as obras pelo site e depois compravam o exemplar físico. O PDF não substitui o livro impresso.”
Na entrevista ao “Globo” há um ano você concordava que o blog desrespeitava a legislação vigente. Mudou de ideia? “Depois disso estudei mais a questão e não mantenho esta declaração. Inexiste no judiciário brasileiro condenação por compartilhamento gratuito de livros. O que existe – e são poucas – são decisões contra comércios e prestadores de serviços reprográficos (as xeroxs) dada sua natureza comercial.”
Como espera se defender da ação judicial? “Estou em contato com advogados para traçar a estratégia de defesa. Não posso falar muito sobre isto neste momento.”
Pode contar como surgiu a ideia do site? “Sou estudante, recém-formado e me preparando para o mestrado da Letras-USP. Em 2009 a xerox do curso –ilegal para a ABDR, mas sem a qual ninguém consegue estudar na USP ou em qualquer outra universidade brasileira– aumentou o valor da página fotocopiada para R$ 0,15, acréscimo de 50%. Isto motivou um grupo de estudantes a compartilhar o conteúdo de suas disciplinas em sites como 4shared e mediafire. O blog funcionava como um indexador destes links.”
Como o site cresceu e se manteve até agora? “Com o aumento das visitas para além do público da Letras-USP mudamos o endereço. O site já foi retirado duas vezes do ar anteriormente, quando estava hospedado no blogspot e no wordpress. Para mantê-lo no ar, registramos um domínio no exterior e hospedamos o site num provedor estrangeiro. O acesso a todo e qualquer texto era gratuito. Para manter o site no ar arrecadávamos doações voluntárias para pagar o servidor de hospedagem. As atualizações dependiam do envio de links por parte dos usuários, sejam links de coisas que os usuários escanearam ou que encontravam pela net. Nem toda postagem era de livro escaneado na íntegra. E boa parte dos escaneados na íntegra eram livros esgotados. Além disso indexávamos artigos de revistas acadêmicas, livros em domínio público ou apenas capítulos de obras.”
Pode nos dar números de visitas/downloads? O que era mais procurado? “Não tenho o número de downloads porque boa parte dos links estavam hospedados em contas diversas neste sites de compartilhamento. E como os links ‘caiam’ com regularidade, esta contabilidade ficava prejudicada. O número médio de visitantes únicos diários estava na casa dos 3.500. O público majoritariamente era de estudantes universitários do país inteiro (mas também do exterior) que encontravam no site o conteúdo para seus estudos. Muitos escreviam para o site falando que nas bibliotecas de suas universidades não encontravam a quantidade de títulos que indexávamos no livrosdehumanas.org. Os maiores pedidos eram livros de filosofia e dos mais diversos campos das ciências humanas.”
Chega a 2.300 a quantidade de livros para download? “Provavelmente o número de arquivos é este, um pouco mais ou um pouco menos. Mas ressalto que nem todas as obras são possíveis de processo pela ABDR. Tem título em domínio público, artigos acadêmicos publicados nas mais diversas revistas, livros em língua estrangeira, livros que estão esgotados (e portanto sem contrato com as editoras brasileiras), livros publicados apenas em Portugal, livros de editoras universitárias que disponibilizam ebooks gratuitos (como os da cultura acadêmica da Unesp ou do repositório de livros da UFBa), livros de editoras que não são filiadas à ABDR, livros com autorização dos autores. É tudo mais complexo do que a gritaria da ABDR faz parecer.”
Em defesa do projeto, vi autores e professores no twitter dizendo que suas obras se tornam mais conhecidas com a ajuda do livrosdehumanas; e que, com essa divulgação, vendem mais livros. Quer comentar a respeito? “Acho que os comentários são auto-explicativos.”
Ao mesmo tempo, há editores e autores que se sentem prejudicados com downloads gratuitos. Quer comentar a respeito? “Não vi nenhuma manifestação neste sentido. E não conheço estudo sério e independente que confirme que a cópia digital de livros (ainda mais na área dos livros utilizados nas universidades) prejudique as vendas. Como aponta este estudo do gpopai, são questionáveis os números e a metodologia destas pesquisas, vá por aqui. E aos que acreditam que o compartilhamento é prejudicial aos autores, eu deixo como resposta um depoimento de Neil Gaiman, um grande autor e vendedor de livros, quando provocado a respeito do tema na entrevista que precedeu sua participação na Flip, vá por aqui.”
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Eduardo Viveiros de Castro, Idelber Avelar e outros pesquisadores saem em defesa do livrosdehumanas.org Vá por aqui, até o Opinião & Notícia, para ler mais
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ATUALIZAÇÃO ÀS 15h45 – A editora Cultura e Barbárie publica em seu site carta pública à ABDR, que cita na documentação três títulos seus, afirmando que não se considera representada pela instituição, vá por aqui para ler a íntegra
ATUALIZAÇÃO ÀS 23h – Neil Gaiman, ele mesmo, também saiu em defesa do site, acabei de ver agora no Twitter, de onde reproduzo:
@neilhimself Standing up for #FreeLivrosdeHumanas.
A discussão é grande nos comentários abaixo, recomendo ao leitor também ler as opiniões contrárias; o blog vai voltar ao tema.