Este senhor aí tem sido muito assediado pelos visitantes de Paraty. A estátua de Drummond, réplica da que está no Rio, fica na entrada da casa da Companhia das Letras, que reedita sua obra. Foi um pouco difícil fazer a foto do poeta só, tive de contar com a boa vontade do povo que estava em fila para posar ao seu lado.
Drummond está em todo lugar. Os versos do poeta homenageado este ano aparecem em projeções ao ar livre, quase sempre onde há grandes paredes e praças. Parei para ler um deles ontem no fim da tarde e escutei alguém por perto que nunca o tinha lido, alguém mais jovem ou morador da cidade, dizer “uau” . Juro que escutei “uau”. Imediatamente me lembrei do que disse o poeta e filósofo Antônio Cícero, na mesa de abertura da Flip, sobre como a lógica da competência cada vez mais solapa a possibilidade de versos. O poeta na rua, e mais, o poeta sendo lido na rua, é um milagre, apenas possível numa exceção como essa, uma festa literária. Será que o texto de Cícero está na internet, em algum lugar? Vou tentar descobrir, para indicar aqui.
Escutei também algo como “uau” quando o crítico literário Alcides Villaça, antes da mesa do catalão Enrique Vila-Matas com o chileno Alejandro Zambra, leu versos de Drummond, uma das muitas leituras que fazem parte da programação oficial. Villaça se saiu muito bem, devia fazer mais.
A mesa de Vila-Matas e Zambra era daquele tipo para quem gosta muito de literatura e não precisa se desculpar por conhecer autores e livros, se desculpar por já ter lido algum livro, ainda mais de autor desconhecido.
O tema era bem esse, a história da literatura – coloquei tema em itálico por achar a palavra de fato meio inadequada. Sobre a dificuldade de dizer qual o tema de quê, um aparte, que chega da própria mesa: Vila-Matas se recordou de um episódio com Lobo Antunes, que um dia, ao ser perguntado do que tratava um novo livro, respondeu que o livro era o que estava entre a primeira e a última linha, exatamente aquilo. Ou seja, ele não quis sintetizar numa frase o que lhe custou 300 páginas para dizer, cada uma das linhas era exata e imprescindível.
O repertório de escritores, personagens, obras com que nós, leitores, convivemos: trata-se de uma comunidade atemporal, como sugeriu Zambra, para quem os mortos estão a espreitar os que escrevem.
A história da literatura faz parte da ficção de Vila-Matas e Zambra, e assim a mesa andou. Os dois falaram de Roberto Bolaño, escritor chileno morto que era amigo de Vila-Matas e é influência para nova geração de latino-americanos; comentaram grandes autores que escreveram no idioma, como Borges, Macedónio Fernandez, Felisberto Hernández, três gigantes; riram de amigos que indicam livros que não leram ou livros de que não gostaram. Numa das muitas vezes que a plateia riu, Vila-Matas disse que escreveu há pouco a resenha de um livro que não havia lido, o novo livro de Pierre Bayard, autor de “Como falar de livros que não lemos”. Zambra, para indicar um livro que nunca leu, recomendou “várias obras completas”.
Granta só com brasileiros – Um ano depois de tanta expectativa, a Granta divulgou ontem à tarde numa grande coletiva os 20 autores brasileiros que integram o primeiro volume dedicado a eles. Metade dos autores era já razoavelmente esperada. Cinco ou seis nomes se podiam considerar como imprescindíveis, entre aqueles com menos de 40 anos – regra da antologia– que estão em atividade há uma década, por aí. A outra metade não era prevista; não se encontra nos jornais e revistas; não é inédita –outra regra– mas permanece isolada ou discreta em algum lugar do país, escrevendo.
À noite li as primeiras páginas de todos eles, alguns li até o fim. A pergunta que me movia era: para o público de fora do país, o que oferecemos de novo, de algo que não foi escrito, muito menos escrito daquele jeito? Como primeira impressão – apenas primeira impressão–, acho que há ali três ou quatro histórias realmente novas; outras são bem escritas, o que não é ruim; uma ou duas delas não me pareceram boas.
O ex-blog foi o primeiro a contar ano passado que haveria uma Granta brasileira. A notícia entrou no ar numa segunda, a coletiva só ocorreria numa quinta, em Paraty. Existia, claro, a expectativa de que isso pudesse ocorrer um ano antes, depois da publicação da Granta em língua espanhola, mas daí a ter a notícia vai uma grande distância, a mesma entre o boato e o fato, até porque havia grandes e bons argumentos para que a publicação britânica, uma das mais influentes, esperasse outra hora para fazê-la.
O blog pára por ora, para ver mais mesas e conversar com mais gente.