Flip 10: Lillian Ross, a fitinha do Bomfim e os três pedidos
04/07/12 18:36A minha primeira Flip, tardia, data de 2006 . Não iria daquela vez, até que, dias antes, fui chamada para substituir alguém que não poderia comparecer na mediação da primeira da série de mesas dedicadas ao homenageado do ano. Jorge Amado.
O que me ligava ao autor na época? Sou baiana, é fato, o que não significa muito, pois nem todo gaúcho é especialista em Erico Verissimo, nem todo pernambucano, em João Cabral ou Manuel Bandeira. As duas razões principais para estar ali eram outras: naquele ano, editava uma revista de livros que fez um número especial sobre o escritor; e estudava um fotógrafo francês que, na Bahia, depois dos anos 1960, era parte de sua grande turma. Uma boa coincidência: eu conhecia e já entrevistara mais de uma vez cada um dos membros da mesa.
A convidada que mais me fazia curiosa na Flip daquele ano era Lillian Ross, uma das pioneiras do chamado new journalism americano. Começou mocinha, com menos de 20, na “New Yorker”, e lá ainda estava, tantas décadas depois, aos 88 anos presumidos (presumidos, pois a certa altura ela deixou de dizer a idade, hoje se supõem datas cruzando textos e fatos, o ano de nascimento vai de 1918 a 1927). Lembro que os jornais usavam a expressão “dama” ou “grande dama”, o que nos induzia a imaginar uma mulher até distante, talvez afetada.
Queria assistir Lillian Ross. Só não imaginava que ia conversar com ela sobre fitinhas do Bomfim.
No dia da abertura, como tradição da festa literária, os convidados participavam de um encontro oferecido por um dos herdeiros da família real, era o almoço do príncipe*. Escolhi a única mesa vazia. Em dez minutos, uma senhorinha com menos de 1m60, cabelos muito curtos cacheados, se sentou ao meu lado, simpaticíssima.
–O que é isso?
–Guaraná, respondi.
–É típico do Brasil, não?
E lá fui eu explicar.
–E isso aqui?
–Fitinhas do Bomfim. Tem de amarrar no pulso e fazer três pedidos.
Continuei a responder pergunta sobre índios, negros, família real e livros. Quando achei que não havia mais nada para Lillian querer saber, ela espiou o anel de quartzo rosa que usava e tentou descobrir onde se podia encontrar um, estava encantada. Contei que Ana Passos, uma amiga artesã-joalheira, era quem o fazia.
–E ela vive em Paraty?
A maior repórter do mundo é uma mulher pequenina e despojada que quer saber sobre tudo. Nunca conheci alguém com tal capacidade de fazer perguntas, tantas, uma atrás da outra.
Ou melhor, conheci. Uma garotinha de cinco anos que morava no mesmo edifício quando eu era adolescente. Uma vez, aproveitou que a porta de nossa sala estava aberta, entrou correndo, apareceu de repente no meu quarto com uns óculos coloridos e não parou de perguntar. Eu estudava num livro de biologia. Quando a mãe a resgatou, me esforçava para explicar à menina por que alguns bichos botavam ovo e outros, não. Como chegamos até ali em três minutos?
Achava já Lillian Ross das mais adoráveis quando, um mês depois, não mais que isso, comecei a receber por correio uns pacotes de Nova York. Ela me mandou exemplares de livros seus – “Filme”, que já conhecia, uma biografia de Ernest Hemingway, de quem fora amiga, e um volume autobiográfico desconcertante –conhecida por sua discrição, decidiu contar coisas de sua vida tão íntima.
Para encerrar o post, a foto que saiu na coluna da Monica Bergamo (!) do dia seguinte: o filho Erik, e Lillian, a menina perguntadeira, que põe a fitinha do Bomfim** e faz seus três pedidos, olhando pra mim.
* Vá por aqui para ler na “New Yorker” o texto que Lillian Ross publicou sobre o príncipe brasileiro em setembro de 2006.
**O blog, passadista, adotou a grafia antiga de Bomfim.
Não me lembrava que Ross esteve na Flip. Li Filme, muito bom. E essa história sua também.
Lindo relato!
estou com essa história atravessada há seis anos! faz tempo queria falar da grande Lillian Ross!
la Ross!uau