Revistas literárias: em defesa do ensaio, Serrote chega ao número 10
10/05/12 10:19Existe por aqui grande tradição de resenha jornalística e de crítica nos moldes exigidos pela universidade. A serrote (em minúsculas), que chega ao número 10, nasceu para privilegiar uma forma menos comum no circuito intelectual brasileiro, o ensaio. Não é tão fácil encontrar novos e bons autores no gênero. Um concurso promovido ano passado pela revista mostrou, segundo Paulo Roberto Pires, seu atual editor, “que há um desentendimento imenso sobre o que é o ensaio e, também, que há possibilidades muito interessantes na área”.
Este post faz parte da série sobre revistas literárias –o anterior tratou do Rascunho, vá por aqui, e o primeiro, da Coyote, por aqui. Amanhã, o post será dedicado à Novos Estudos Cebrap. Depois, haverá outro post, sobre a Errática.
Na conversa com o blog, Paulo Roberto Pires conta sobre os desafios de fazer cada edição, desde a criação da pauta ao ajuste dos textos e à edição da arte –o número dez tem, por exemplo, ensaio visual de Waltércio Caldas, um dos principais nomes da arte contemporânea brasileira. Com a nova edição, saíram os ebooks Clássicos serrote, com download gratuito, e o suplemento especial do Alfabeto serrote, por aqui até o site da revista, mantida pelo Instituto Moreira Salles.
A falta de dinheiro é um dos principais motivos, talvez o maior de todos, para que as revistas literárias brasileiras nasçam e morram tão rapidamente. A serrote, que é editada pelo Instituto Moreira Salles, tem a questão do financiamento já resolvida. Isso tira um problemão da frente, ao mesmo tempo, imagino, deve criar angústia, a de ter de ser impecável. Como vocês lidam com essa expectativa no dia-a-dia? “É muito difícil fazer um revista desse tipo sem financiamento. Dá uma olhada na lista de apoiadores da “Paris Review” (http://www.theparisreview.org/): vai desde instituições até o Don DeLillo, que dá uma graninha por ano. Temos um orçamento e temos que trabalhar em seus limites. Como dizia o Jorge Zahar, é preciso um olho no catálogo e outro no livro-caixa. Mas o que permite esmero e o bom acabamento é, sobretudo, o prazo: editamos três números por ano. Para o perfil da serrote, essa é a periodicidade ideal, tanto para manter o interesse da revista quanto pela capacidade de qualquer leitor em absorver textos deste tipo. Editorialmente, o desafio é dosar todo um ensaísmo clássico e buscar também as novidades na área. É preciso também não tornar a revista sisuda, pesadona.”
Quando vocês criaram o projeto, tentaram oferecer aquilo que ainda não existia? Qual era a percepção sobre o que faltava, o que era preciso fazer? “A revista foi criada pelo Flávio Pinheiro e pelo Matinas Suzuki Jr., que a editou até o número 5, quando cheguei. As referências eram mais de formato do que de conteúdo: pensava-se muito na “Virginia Quarterly Review” (http://www.vqronline.org/), na “Lapham’s Quarterly” (http://www.laphamsquarterly.org/) e, é claro, na “Paris Review”. Só que a VQR dedica-se a reportagens, a Lapham, a números temáticos que são antologias e a PR principalmente à ficção. E nosso princípio é publicar o melhor da não-ficção ensaística que se puder encontrar, sem preconceitos de nacionalidade, tema ou orientação política. Idéias bem defendidas, com texto claro e agradável, que cumprem a função do bom ensaio, no qual é mais importante fazer pensar, instigar, do que resolver questões ou ditar soluções.”
No país, é grande a tradição de resenha jornalística e de crítica acadêmica. Fazer ensaios é algo que, me parece, ainda é uma dificuldade para nós. Pode contar sobre como lidam com esse problema, o de ter de ajustar os textos? Como o concurso de ensaios ajudou? “Entre nós o ensaio é muito confundido com textos acadêmicos. Não tenho nada contra a academia – e nem poderia, pois sou professor da UFRJ há 19 anos – mas para os papers já há espaço suficiente, sobretudo depois da difusão para valer da internet. Causou polêmica, no primeiro número da revista, o editorial que se insurgia contra as notas de rodapé, aquelas que o Edmund Wilson dizia serem “arame farpado” em torno das ideias. É claro que publicamos textos com notas, mas a clareza tem que ser o critério soberano. Os textos nacionais, feitos por encomenda ou não, são editados junto com o autor sempre que julgo necessário. Não tenho como princípio ser intervencionista acima de qualquer coisa, mas também não tenho pudor em negociar ajustes. O concurso de ensaísmo mostrou duas coisas: que há um desentendimento imenso sobre o que é o ensaio e, também, que há possibilidades muito interessantes na área. Escolhemos os três vencedores entre dez textos de ótimo nível. Ano que vem, faremos de novo.”
A definição da pauta de uma revista de ensaio também é mais complicada do que a de um suplemento literário. Imagino que tentem sempre fugir do imediato e também surpreender. Há alguma cota de ineditismo e/ou agenda a cumprir? “Há uma comissão editorial que se reúne três vezes por ano. É uma grande conversa, muito divertida e anárquica, em que todos levam suas sugestões. Em geral, apresento um número praticamente fechado como ponto de partida e depois mudo tudo o quanto achar necessário. Minha preocupação é, como disse anteriormente, dar conta de ensaios importantes e inéditos em português e, também, na novidade – mas sem novidadismo. Agenda só há de forma indireta: publicamos em primeira mão trechos do livro do Marc Fischer sobre João Gilberto por conta dos 80 anos e a Companhia das Letras acabou editando o livro em português. Nas enchentes da serra fluminense, propomos ao fotógrafo Edu Marin fazer um ensaio fotográfico lá, no meio do furacão, mas com um olhar bem diferente do jornalístico. O resultado foi surpreendente. Ou seja, como você vê, a pauta se reinventa sempre.”
Se a dificuldade não é financiamento, qual a difculdade para a serrote? Tornar-se mais conhecida, ter mais leitores? Como os eventos, site ou redes sociais têm ajudado nisso? “A dificuldade é a dificuldade de todo mundo que trabalha editorialmente fora de uma linha média de gosto: leitor. Dos dez números, os dois primeiros são esgotados e vendidos a mais de 100 reais na Estante Virtual. A revista tem, comparativamente, uma performance melhor do que livros mais sofisticados, mas não há um público pronto, tem que trabalhar o tempo todo pensando em trazer mais gente. Foi ótimo ter trazido o Goeff Dyer, uma referência no ensaísmo contemporâneo, mas este ano faremos eventos menores e mais constantes em torno de ensaísmo em geral e não necessariamente atrelados à pauta imediata da revista. Para mim, é importante que se fale em ensaio como gênero, que se leia e discuta o gênero, pois assim, de forma indireta e consistente, ganhamos mais leitores lá na frente.”
Arte contemporânea na revista: como, em que momento entram os artistas para a capa, a arte da serrote? O pedido nasce na pauta? “A revista é uma parceria constante entre texto imagem, entre eu e Alice Sant’Anna, mais concentrados nas escolhas de texto, e os designers Daniel Trench, que criou a revista em todos os seus detalhes, e Gustavo Marchetti. Trabalhamos os quatro buscando coisas mas sem rigidez de divisão: a arte pode partir do editorial e o texto da direção de arte. A capa da serrote 8 tem uma história curiosa: fiquei louco quando vi os desenhos de Robert Longo a partir das fotos que documentam o consultório de Freud em Viena e decidimos por um ensaio. Mas nos animamos com outras coisas dele e o Longo acabou na capa porque ele também se animou com a gente: cedeu todas as imagens porque gostou do projeto. Fora do Brasil, entre os artistas, conseguimos muita coisa quando vêem a revista fisicamente. Ninguém lê português, claro, mas percebe que há conversa e não subordinação entre imagem e texto.”
ATUALIZAÇÃO às 14h40 – No blog da Companhia das Letras, vá por aqui para ler o texto que escreveu Luiz Schwarcz sobre o jornal Leia Livros, editado pela Brasiliense.
Quando conheci a publicação, nas bancas da Salvador em fins de 1980, o formato não era de jornal, mas de revista, e por isso costumo me referir no feminino, a “Leia”, como fiz outro dia nos comentários aqui. Procurei sobre período de circulação e mudança de editora (a Joruês comprou o título da Brasiliense), encontrei esse texto do Cedap/Unesp, mas nada sobre mudança de formato (jornal-revista). Alguém sabe mais sobre isso?
A revista ‘serrote’ encontra-se à venda no site da ‘Livraria Cultura’.
Uma dificuldade é onde encontrar a revista! quando essa felicidade existiu,foi no Conjunto Nacional, claro – onde está a lojinha (lojinha?) do I.M.S.!
Não é possível vender em bancas?!
Abs!
Maria Luiza, em banca acho que é mais difícil (distribuidor de banca é um, o de livro, outro). Ja tentou entrar em contato com eles, via site/email?
Ótima entrevista!