Imprensa, poder, leitores: uma conversa com Oscar Pilagallo
07/05/12 11:22Uma imprensa nascida na província, que se tornou depois sede dos principais veículos de informação do país: essa trajetória, de começo mambembe e panfletário, até a consolidação das empresas de comunicação e o auge de sua influência, com as Diretas Já e o impeachment de Fernando Collor de Mello, é contada por Oscar Pilagallo no seu “História da Imprensa Paulista“, publicado pelo novo selo Três Estrelas, do Grupo Folha.
Apesar do tema tão abrangente para as pouco mais de 350 páginas, o autor também se detém em certos detalhes –e por fim o leitor vai compreender que nesses detalhes se revela a complexidade dessa longa narrativa –, como a repercussão, em certo período, dos jornais populares e seus bebês-diabo e o uso de carros da imprensa por órgãos de repressão durante a ditadura militar, assuntos tratados com a elegância e o equilíbrio que caracterizam o autor.
Fazia tempo que não lia uma obra sobre imprensa, rotina quase semanal muito antes do vestibular e mantida até mais tarde, após minha estreia nas redações. Na época, o meu interesse era aprender o ofício. Esses livros são, no entanto, muito mais que leitura para profissionais: tratam da história do país por um dos seus principais ângulos. Pode ser um bom momento para uma nova onda de obras do gênero, que, acho, tem sido pouco explorado nos últimos anos.
disclaimer: Oscar foi um grande chefe em duas fases cruciais de minha vida profissional em São Paulo. Na Folha a partir de 1997, tive sua confiança na editoria de economia, em época de “mercado tenso” (ou “exuberância irracional”, para lembrar de outra expressão que usávamos antes das matérias, aquilo que chamamos, no jargão, de “chapéu”). Primeiro, crise do México, depois da Coreia do Sul, que avançou por todo Sudeste Asiático e chegou à Rússia, veio a desvalorização do real (e o que mais se temia e previa era a explosão da bolha americana, a ocorrer uma década depois.) Em 2005, fui sua assistente, aprendendo não só a escrever melhor como principalmente a editar, quando criou a EntreLivros, revista sobre livros e literatura publicada pela Duetto. A certa altura, ao ter de sair para tocar outro projeto, ele generosamente me convenceu a ficar no seu lugar na nova fase da revista; sem seu encorajamento, não teria enfrentado sozinha aquele oceano.
Na conversa com o blog, Oscar Pilagallo trata das relações entre imprensa e poder, mas também de jornalismo econômico e literário.
Em sua interpretação das relações entre imprensa paulista e poder, em que época jornais e jornalistas tiveram mais peso para pressionar o governo, maior repercusão entre leitores? Essa influência está diminuindo? “A eleição e o processo de impeachment do presidente Collor foram o auge da influência da imprensa no poder. Collor, como político de projeção nacional, foi uma construção da mídia que viu nele o candidato com maiores chances de ser o anti-Lula. Mas, da mesma maneira que foi construído, Collor seria desconstruído. A imprensa teve papel fundamental em seu afastamento. As informações mais comprometedoras, que abasteceram a CPI criada para apurar as denúncias de corrupção, partiram das revistas. A entrevista do irmão Pedro Collor à Veja e, sobretudo, a descoberta, pela Isto É, do motorista Eriberto, que escancarou o elo entre PC Farias, o tesoureiro de Collor, e o presidente. Os jornais não conseguiram informações relevantes, mas repercutiram as denúncias e jogaram o peso institucional de seus editoriais a favor da tese do impeachment. Mas houve outros momentos importantes. O movimento das Diretas Já, por exemplo, só eletrizou o país devido ao entusiasmo da cobertura da imprensa. Hoje, a influência é menor. Maior prova disso é que nas últimas três eleições presidenciais venceram os candidatos mais criticados pela imprensa (Lula, duas vezes, e Dilma).”
O regime militar é visto como aquele em que a imprensa mais foi censurada. Mas o Estado Novo tambem exerceu grande censura, talvez menos lembrada porque está mais distante no tempo. Como comparar essas duas épocas de censura? “A censura tinha o mesmo objetivo e a mesma natureza nas duas ditaduras, mas a forma era diferente. No Estado Novo, o governo adotou uma política que mesclava coerção e cooptação. Alguns não aceitaram a censura, como o Estado, que por isso sofreu intervenção. Outros a aceitaram resignadamente. E alguns se beneficiaram da ditadura, aceitando vantagens materiais do governo, o que deu novo fôlego a impérios, como os Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Na ditadura militar, os censores se fiaram basicamente nas proibições. Outra diferença é que a ditadura militar foi mais violenta contra a imprensa do que a ditadura de Vargas. Hoje, comparativamente, o país tem mais liberdade de imprensa. Nos grandes centros, o ambiente é de liberdade. Mas em cidades menores, onde há mais promiscuidade entre governos locais e imprensa regional, o jornalismo independente encontra maior dificuldade.”
Pela pesquisa que fez e também pela experiência com jornalismo econômico, você identifica o momento em que a cobertura de temas como inflação, bancos, mercado financeiro se tornou melhor, mais sofisticada? Houve muita barbeiragem no começo? “O jornalismo econômico surgiu nos anos 70. Em parte porque a cobertura de temas políticos estava comprometida pela censura. Em parte em resposta ao “milagre econômico”, que gerava interesse nos leitores. Aos poucos a cobertura foi se sofisticando, se especializando. Não acho que seja uma área em que tenha havido, particularmente, barbeiragens. Houve erros, certamente, como em qualquer outra área do jornalismo.”
Aqui no Brasil, temos uma polarização: ou há livros muito acadêmicos, para um público ultra-especializado, ou há obras tão generalistas que se tornam muitas vezes banais. Em mercados como o dos EUA e da Inglaterra, por exemplo, é grande o nicho para livros de não ficção como o seu, que atende a um público que não é ultra-especializado mas que também não é completamente leigo. Como encontrar a medida exata? “A medida quem dá é o leitor. Nos países de língua inglesa o elevado grau de instrução formal gera maior quantidade de leitores. A maioria não é especializada, o que permite a construção de um mercado de livros com essa embocadura. No Brasil, lê-se muito nas universidades e por isso há mais livros de corte acadêmico. Mas, aos poucos, e com a ajuda de jornalistas como Ruy Castro, Fernando Morais, Laurentino Gomes e outros, o brasileiro vai descobrindo que a história pode ser contada de outra maneira.”
Seu texto sempre foi muito elogiado. Pode contar como se deu o percurso –de leituras, de experiências– para chegar até ele? “O caminho passa pela leitura, não há atalho. Algumas leituras ajudam mais que outras. Ler Graciliano Ramos, por exemplo, nos ajuda mais a escrever do que Finnegans Wake, do Joyce. Contos de um modo geral são bons, devido ao esforço de concisão. Até a leitura de poesia pode ajudar a fazer títulos. Com relações a jornais, é preciso fazer uma distinção. Colunistas, articulistas e muitos repórteres escrevem bem, em geral. O texto médio do noticiário é que é fraco. Há despreparo, por um lado, mas por outro a segmentação da notícia em pequenos blocos de informação não ajuda a narrativa dos fatos.”
Você fez um caminho que muito jornalista quer fazer, que é sair das redações para publicar livros. “No Brasil é muito difícil viver de livros. Há exceções, os jornalistas que acabei de citar. Mesmo jornalistas que vendem muito bem como escritores, como Jorge Caldeira, têm outras atividades. Quanto a mim, deixei o dia-a-dia do jornal, mas não saí das redações. Além dos livros, continuo escrevendo para jornais e até editando, embora faça isso no meu escritório, em casa.”
Quando você criou a EntreLivros, era alguém de fora dos grupos literários. De que maneira isso foi bom ou ruim para o resultado da revista? O que falta para o país ter publicações literárias longevas, comercialmente viáveis? “Acho que foi bom. Pensei no exemplo do Mino Carta quando aceitei o convite. Se ele fez a Quatro Rodas e nem sabia guiar, talvez eu pudesse fazer a EntreLivros mesmo sem circular entre escritores. A minha vantagem era exatamente a minha deficiência: como não conhecia ninguém, não estava sujeito à pressão natural dos grupos. A revista sempre acolheu todos, independentemente das panelas literárias, o que não é pouca coisa. Editorialmente, considero a revista um sucesso. Mas ela teria de ter sido dimensionada para o público leitor brasileiro, que é pequeno. Como revista de nicho, com uma produção um pouco mais barata, talvez tivesse sobrevivido.”
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Sinto imensa falta da revista “Entre Livros”, da qual guardo quase todas as edições que saíram. Foi, na minha opinião, a melhor publicação literária (no sentido amplo do termo) no Brasil. Abrangente, plural, analítica, sem hermetismos acadêmicos, por um lado, e acessível ao público leigo sem ser superficial, por outro lado. Uma publicação sob medida para leitores exigentes e interessados, sem pretensão. O lugar de “Entre Livros” no mercado editorial e no ambiente cultural brasileiro permanece vago, nenhuma outra revista conseguiu ocupá-lo.
George, agradeço também, Oscar vai ficar contente.
Acompanhei a Entrelivros e concordo com Oscar, quando fala que sua vantagem era a deficiência. Infelizmente, em todas as áreas da produção cultural no Brasil hoje existem panelinhas que ditam a bola da vez. Isso acontece no cinema, na música, na literatura, em tudo.
Marcia, é basicamente assim: você faz o número 1 com uns vinte colaboradores que chamou daquela vez, e imediatamente 2 mil pessoas vão se sentir desprestigiadas, risos. E vão torcer contra. Sabe o que é isso? Mercado pequeno. É como se estivéssemos todos em uma província, uma cidadezinha do interior do começo do século 20.