Confetes na Eira, Franca Treur e o poder dos livros
02/05/12 11:13“Confetes na Eira”, romance de estreia de Franca Treur, menos de 30 anos quando o publicou em fins de 2009, fez sucesso imediato em sua Holanda natal: vendeu mais de 150 mil exemplares, número extraordinário para um país pequeno –número ainda mais extraordinário no Brasil, em que um romance de estreia já é bem-sucedido se for vendida toda a primeira edição, de 3 mil exemplares.
A trajetória de best-seller, que agora vai ser adaptado para o cinema, pode levar o leitor a pensar que se trata de um desses livros que andam na moda, romântico açucarado, pornô soft ou chocante, suspense noir quase macabro.
Amanhã (quinta), dia 3/5, Franca Treur conversa com Ronaldo Bressane na Livraria da Vila do Shopping Higienópolis. A atriz Bel Kowaric vai fazer leitura de trechos do livro. A entrada é gratuita, vá por aqui para encontrar o convite
No extremo oposto disso, transcorre lenta e delicadamente a narrativa dessa família que planta trigo e cria vaca leiteira numa região rural do litoral holandês, com a rotina estritamente controlada por rituais e preceitos de uma das alas mais conservadoras da igreja calvinista. O extraordinário passa quase despercebido, e ao fim do último capítulo é inevitável retornar a várias das cenas para recompor os sentidos em seus desvãos.
Daqui, vemos a Holanda como um lugar tão cosmopolita e liberal que até permitia o consumo de marijuana nos chamados coffee shops –permitia, verbo conjugado no passado, pois desde a última semana só os que são comprovadamente residentes podem manter o hábito, não mais visitantes, uma medida do governo local sob pressão da União Europeia para deter parte do explosivo turismo de drogas.
A primeira coisa que perguntei a Franca Treur, durante a conversa no último fim-de-semana na Flipoços, é se, assim como nós, os leitores da Holanda se surpreendem ao conhecer essa parte do país que não se sabe que existe.
A autora me respondeu que sim, até se sabe que existe essa parte do país, mas de fato quase não se conhece nada do pensamento e do cotidiano dessas famílias, cujas novas gerações são até mais conservadoras do que eram os próprios pais no passado.
Leitores e jornalistas holandeses, como fazem os brasileiros, tentaram buscar o teor autobiográfico da história — a personagem principal, uma menina entre seis irmãos, não tem lugar na divisão do trabalho nem nas conversas familiares, e seu refúgio são os livros, vistos com suspeição pela sua religião. A leitura de “Confetes na Eira” foi questionada na pequena comunidade de onde Franca saira para formar-se em teoria literária e viver em Amsterdã, primeiro como colaboradora nas páginas de livros dos jornais, agora como escritora em tempo integral, concentrada na próxima obra. Após acalorado debate na cidade onde ainda reside a família Treur, concluiu-se que poderia ser permitida a leitura –se fosse ofensivo, ou ao menos um pouco mais duro, o romance teria sido proibido, mas soa tão candidamente que causa desconcerto.
Franca Treur fez um romance sobre o poder dos livros, a razão de poetas e escritores representarem perigo em sociedades rígidas e ditatoriais, o modo como a imaginação opera sobre a vida — o ato de criar histórias, aqui, é tão transgressor como é o de comer em “A Festa de Babette”, para lembrar de outra moça daqueles mares do Norte, a dinamarquesa Karen Blixen quase um século atrás. O mundo mudou bastante, mas continua igual.
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Antes e depois da mesa na Flipoços, a conversa prosseguiu: simpaticíssima, andando com suas havaianas pelas ruas de Poços de Caldas, a autora me contou que gosta da ficção de Elfriede Jelinek, Etgar Keret e Margaret Atwood. Aprendeu um pouco de nosso idioma com uma amiga portuguesa que vive em Amsterdã, mas não o suficiente para ler no original os autores que descobre agora, Guimarães Rosa e Rubem Fonseca. Perguntou sobre livros brasileiros, explicou diferenças (e alguns estranhamentos) entre os holandeses e os alemães. E me disse que não, não podia prever que viraria best-seller (ao contrário do que parece responder numa entrevista que circula na internet, mais um caso de “lost in translation”).
Não li A Festa de Babete, mas assisti o filme, um dos meus preferidos. O conservadorismo nas comunidades rurais no norte europeu é um tema que me atrai. Adoraria ler Confetes. Vai entrar para minha lista.
🙂
Estou aguardando análise de editoras para a minha obra – CIBERCÉLULAS. Caso conheça alguém que queira analisar, agradeço desde já.
E lá se vai o forjado mito da loira burra…
ah, isso não existe! 🙂
Franca já entrou na minha lista, ao lado de Manoela Sawitzki, Marjane Satrapi, Ana Paula Maia, Amelie Nothomb, Beatriz Bracher, Lolita Pille,Tatiana Salem Levy, Charlotte Roche, Carola Saavedra…
Esse livro eu vou comprar! E olha que ultimamente só compro livros quando acho que serão imprescindíveis.
E por algum motivo, leio mais mulheres que homens; sinceramente não sei se é por questão de gênero, mas é um fato na minha biblioteca.
Fiquei curiosa. Adoro literatura de mulheres (que elas não me ouçam dizer isto).
Ayde, o livro é uma graça, leia!
Fiquei curioso para lê-la, Josélia.
Um abraço!