Bibliotecas e formação de leitor: uma conversa com Felipe Lindoso
25/04/12 10:37Felipe Lindoso, cientista social especializado em políticas para o livro e a leitura, é autor de uma das poucas obras*** que debatem o caso brasileiro, “O Brasil pode ser um país de leitores?”, publicado pela Summus –desde 2008, quando o li, andei recomendando, presenteando e emprestando, até perder o exemplar que tinha na estante (!). Enviei perguntas para Lindoso sobre Bogotá, onde ocorre desde o último dia 18 e segue até dia 1 de maio, a feira do livro que tem o Brasil como país homenageado (aqui, o site oficial). A conversa seria sobre internacionalização da literatura brasileira (aqui, post em que tratei disso no blog), mas enveredou por outro assunto, também importantíssimo, sobre a experiência colombiana para aumentar índices de leitura. Bibliotecas ativas e muito visitadas: esse parece ser o ponto.
Para quem quiser acompanhar o que escreve Lindoso: vá por aqui para chegar até seu blog O Xis do Problema, e por aqui, até sua coluna no “Publishnews”.
“Os brasileiros e o papel da leitura”: nesse texto, publicado pelo “Prosa e Verso”, do jornal “O Globo”, Lindoso comenta os resultados da recente edição da pesquisa “Retrato da Leitura no Brasil” –ainda vou comentar sobre a pesquisa no blog.
De Bogotá, quais são suas impressões sobre como nos veem da América em língua espanhola? “A receptividade aos autores brasileiros é bem grande. Pela primeira vez em uma feira regional, vi alguns editores brasileiros por aqui tentando vender direitos de seus autores, o que é sinal de uma mudança de comportamento. Mas é cedo para ver no que isso vai dar. Por outro lado, muitas editoras não mandaram livros. A expectativa é que, quando a maioria dos autores, inclusive os da nova geração, chegarem, que isso gere mais matérias de imprensa, inclusive de rádio, que é muito importante no país. Os primeiros dias foram marcados por muitas atividades na área profissional, com um interessante seminário promovido pelo Cerlalc [órgão da Unesco para leitura na América Latina], “Todo Empieza en un Libro” [tudo começa com um livro], com o público colombiano. Editores, estudantes de comunicação e também livreiros etc. fizeram muitas perguntas sobre o mercado editorial brasileiro. As feiras, como sempre digo, são um momento de festa. O importante são as ações de continuidade. Veremos o que resultará das negociações começadas aqui.”
Há dias, por meio de carta e agora petição online, membros do colegiado setorial do livro, leitura e literatura vêm reclamando de que existe menos verba para formação de leitores, porém mais verba para a internacionalização da literatura brasileira. Como explicar os resultados que o incentivo à tradução de autores brasileiros vai trazer para o país, que está tão atrasado nisso? “A questão da difusão da nossa literatura no exterior às vezes é mal compreendida. Tem gente que quer contrapor isso às demais políticas. Uma coisa não têm nada a ver com a outra. Ou, aliás, tem a ver com aquela mentalidade derrotista que o Nelson Rodrigues falava: a mentalidade de vira-lata. A difusão da nossa literatura no exterior não traz benefícios diretos para o leitor brasileiro. Mas traz para o país: temos o que dizer nesse concerto mundial de ideias. Conhecemos uns aos outros através da literatura. Como antropólogo e como leitor sei que ler os livros de José Maria Arguedas foram importantíssimos para minha compreensão do Peru. Como pode alguém achar que é bobagem nos esforçarmos para dar a conhecer ao mundo as nossas experiências? E, diante da avassaladora predominância dos americanos, a ação de políticas públicas é importante para que isso aconteça, ajudando na tradução, sem privilégios e preconceitos. Eu também quero mais recursos e mais ações continuadas para as outras áreas do livro e da leitura, mas acho cretinismo querer contrapor uma coisa à outra.”
A Colômbia sempre foi um exemplo de políticas públicas para promoção da leitura, com resultados louváveis. O que falta o Brasil fazer? “A Colômbia não é o país com maiores índices de leitura da região (quer dizer, não se tem pesquisas sérias sobre Venezuela, Equador e a América Central), mas saiu de uma situação muito ruim mesmo, com anos de guerra civil, guerrilhas e narcotráfico. Políticas de leitura só surtem efeito a longo prazo, e combinadas com as políticas para educação. Em todos os países da América Latina (exceção da Argentina, acredito, onde os níveis de alfabetização e leitura são altos desde o século 19), as ações mais consistentes têm, no máximo, duas décadas – a maioria nem isso – e ainda deixam muito a desejar. O que eu gostei de ver na Colômbia foi uma decisão política – que se reflete em institucionalização e orçamento – que não se vê em outros países da região.
Você diria que o que fez da Colômbia um país com índice de leitura maior foi justamente o fato de ter bibliotecas boas, equipadas, com alta frequência? Esse é o “ponto”, vamos dizer assim? “A Colômbia tem muito que nos ensinar sobre políticas públicas de livro, sob vários aspectos. Um deles é o institucional: existe uma lei que obriga os municípios a terem bibliotecas públicas e orçamento para elas. O orçamento da República tem repasses obrigatórios para a cultura, e em particular para as bibliotecas, tal como saúde e educação. A BibloRed de Bogotá é muito interessante: quatro grandes bibliotecas modernas. Peñaloza, prefeito que iniciou o projeto, teve uma ideia que de certo modo se identifica com os CEUs da Martha Suplicy: é um lugar dignificado, imponente e bonito para o uso das populações carentes. O sistema tem rede, programas estruturados para todas as idades, formação de monitores, integração com as comunidades, etc. Mas a maior biblioteca de Bogotá é a Luis-Angel Arango, que é mantida pelo Banco de La República – taí dinheiro bem empregado – e recebe cerca de 5.000 pessoas POR DIA. Tem que ser em caixa alta para enfatizar mesmo. Repito: 5.000 pessoas POR DIA! Possivelmente é a biblioteca com maior número de atendimentos do mundo. A Biblioteca Nacional administra a rede de bibliotecas municipais, e o Ministério da Educación tem também uma rede de bibliotecas escolares. Como sempre, ainda fala muito. Mas a decisão política de fazer política de acesso ao livro foi tomada (e por um presidente ultraconservador, o Uribe) e está sendo mantida.”
***ATUALIZAÇÃO às 17h – Por excesso de cautela, não disse que “O Brasil pode ser um país de leitores?” é praticamente único. Além dele, há um estudo de Fábio S. Earp e George Kornis para o BNDES, “A Economia da Cadeia Produtiva do Livro” (vá por aqui, disponível em PDF), e a pesquisa “Retrato da Leitura no Brasil” (vá por aqui, para consultar a mais recente e as anteriores, também disponíveis em PDF). Onde estão nossos talentosos economistas, cientistas sociais, administradores etc com mais estudos bacanas sobre o setor do livro no Brasil? Por favor, me avisem se houver mais títulos.
Sobre a imagem que abre o post: “desgraçadamente”, como diriam nossos hermanos em expressão que sempre soa para nós muito mais trágica do que para eles, não pude encontrar a marca da feira deste ano, que é a de número 25. Só encontrei essa da 24. É o tipo de informalidade que um blog permite, ufa.
Muito bom!! Seu Blog está muito bom e informativo.