Ficção brasileira lá fora: João Paulo Cuenca no Extremo Oriente
10/04/12 09:53Faz semanas que comecei a ver na internet episódios criados no Extremo Oriente pelos escritores brasileiros João Paulo Cuenca (“O único final feliz para uma história de amor é um acidente“) e Tatiana Salem Levy (“A Chave de Casa”, “Dois Rios”) e o cineasta português Miguel Gonçalves Mendes (“José e Pilar”). Um filminho me levou a outro, que me levou a outro, que me levou a perguntar a Cuenca do que se trata para publicar mais um post sobre ficção brasileira lá fora (vá por aqui e aqui para ler os posts anteriores).
“Nada Tenho de Meu”, que chegou ao quinto episódio, é um híbrido de documentário e ficção que os três realizam desde janeiro, depois de participar do primeiro festival literário de Macau, tão lusófona quanto nós. “Nós três rapidamente inventamos uma forma de trabalhar juntos e esticar nossa estadia”, conta Cuenca. “Tenho cada vez mais interesse em cinema e passar uma temporada filmando no Sudeste Asiático me parecia um bom exercício – como foi.” A jornada de viagem e filmagem durou 50 dias. De Macau, seguiram para Vietnã, Camboja, Tailândia e Hong Kong.
Cuenca me responde aqui sobre sua experiência em outros países. Nascido em 1978, com três romance publicados a partir de 2002 e integrante de várias antologias, viaja com frequência ao exterior para projetos literários diversos. Este ano, vai ainda a Espanha e Alemanha, onde saem traduções de livros seus.
Qual a história que descobriram e vão contar no projeto “Nada Tenho de Meu”? É a história de três pessoas que, de modos completamente distintos, precisam lidar com o passado e com suas origens. Eles vagam pelo mundo como fantasmas, aprisionados em si mesmos. Os três personagens irão empreender diferentes fugas ao longo da narrativa. A minha talvez venha a ser a mais literal. A forma, um híbrido entre documentário e ficção, foi sendo pensada pelos três ao longo da filmagem/viagem. Depois do sétimo episódio online, pretendemos dar uma pausa e estudar onde e como passar a obra inteira, que é bem maior. Já estamos estudando propostas.
Como exploraram os lugares visitados? “Nós entrevistamos muita gente, entre artistas e moradores dessas cidades, gente que fomos encontrando pelo caminho. Por exemplo, os episódios que já estão no ar contam com a participação dos escritores Lolita Hu e Su Tong, da atriz Margarida Vila-Nova e do diretor de cinema Ivo Ferreira – ambos portugueses, atuam na cena do jantar no capítulo 5.”
Entre os autores de sua geração, você é um dos que têm trajetória mais internacional. Não me refiro só a traduções, mas à participação em projetos diversos. Como essas coisas aconteceram para você no exterior? “A verdade é que até hoje eu viajei muito mais que meus romances, que tiveram direitos comprados por Portugal, Itália, Espanha e Alemanha. Mas publicações em antologias, convites a festivais ou projetos literários de encomenda já me levaram para outros lugares, onde não tenho editor, como China, Japão, Estados Unidos, Inglaterra, França, Porto Rico, Colômbia, Peru e Argentina. Só no ano passado participei de falas ou leituras em Nova York duas vezes, e também na Póvoa de Varzim, Porto, Lisboa, Berlim, Frankfurt, Munique, Madri, San Juan e devo estar me esquecendo de algum outro lugar. Isso começou a esquentar quando fui selecionado pelo Hay Festival naquele grupo do Bogotá39 em 2007. Mas há outra coisa: eu naturalmente estico minhas viagens e daí surgem outros convites. Se os outros escritores voltam pra casa em uma semana, eu fico fora em média uns quatro meses por ano desde 2006. Se me convidam para Madri, vou parar em Jerusalém. Se me convidam para Paris, vou ao Egito. Se me convidam para Macau, em três semanas estou no meio de uma floresta no Camboja. Tento aproveitar essas passagens.”
Você disse numa entrevista ao “El País” que lá fora ainda esperam algo exótico da literatura brasileira. O que você definiria como esse exótico que procuram? Meninas de biquíni, coqueiros, favelas, alguma violência urbana, misticismo, romantização do proletariado e da pobreza… Enfim, é uma fórmula. E o país, além de ser mais complexo do que ela, é capaz de produzir subjetividade sobre muito mais. [vá por aqui para ler artigo do autor no jornal “El País” em que trata do tema]. Há de se louvar a mobilização recente da Fundação Biblioteca Nacional para incentivar traduções de autores brasileiros. Desde sempre compramos livros de escritores portugueses, espanhóis e franceses com apoio e selo do governo desses países na contracapa. Se o Brasil tem um projeto de inserção mundial que inclua algo mais que chinelos, coristas e hits radiofônicos, é razoável que invista na exposição da nossa literatura no exterior.”
Na convivência com autores lá fora, o que percebe de semelhante e diferente no modo de produzir, realizar projetos? “Acredito que há mais articulação e leitura entre autores latinoamericanos de diferentes países do que entre escritores brasileiros que vivem na mesma cidade. A vida é igualmente difícil para a maioria, as tiragens não são grandes, mas, no geral, você percebe que há um meio literário com mais musculatura fora do Brasil.”
A sensação que tenho é que lá fora pensam que o Brasil está melhor do que realmente está. Será que vêem um crescimento do mercado literário brasileiro que ainda não aconteceu, embora possa acontecer? “As coisas estão acontecendo no Brasil para empreiteiros, políticos, lobistas, donos de banco, de bar, de oficinas mecânicas e jogadores de futebol. O resto de nós anda histérico, gastando o dinheiro que não tem para viver em cidades que não valem o que custam. Mas, realmente, a impressão que há sobre o Brasil no exterior é que andamos sobre cristais e o ar está de gala. O próprio brasileiro acredita nisso, já que só enxerga a si mesmo e a realidade que o cerca em espelhos midiáticos extremamente distorcidos. Eu não me preocupo tanto com o crescimento do mercado brasileiro, e sim com a educação dos leitores que ainda estão para nascer.”
As imagens acima foram cedidas por Cuenca. O primeiro episódio da série “Nada Tenho de Meu” é este logo abaixo. Vá por aqui, até o site do autor, para ver os outros quatro já prontos.
Não conhecia o Cuenca. Daí li Um dia Mastroiani.E como vicepresidente da UBE, o indiquei para um prêmio.Mudei-me para Campinas e agora sempre ouço falar dele, seja no studio i, ou nessa coincidencia que uma amiga Érica Lombard me enviou.O que prova que um mundo é um circulo.Mas gostei muito dessa projeto.,
a resposta da última pergunta mostra que alguém ainda tem lucidez nesta terra.
“educação dos leitores que ainda estão para nascer”…. ISSO ME PREOCUPA E MUITO…. O QUE SERÁ DO BRASIL EM 5 ANOS OU MENOS CULTURALMENTE FALANDO?
Sensacional! Adoro Cuenca mas confesso que não li tudo dele. Acompanho suas opiniões através do Estúdio i da Globonews. Parabéns a ambos. Josélia pelas perguntas pertinentes e todas eu gostaria de perguntar e ele pelo sucesso. Beijos.
Enquanto isso, na Coreia do Sul, as professorinhas do Ensino Fundamental recebem um salário de US$ 4.000,00 dólares. Lamentável!