Érico responde a Clarice sobre os críticos
12/03/12 22:02Aos 13, li o “O Tempo e O Vento” na edição de quatro volumes em papel bíblia da Nova Aguilar. Usei muito as aulas de química, física e matemática para avançar na leitura. Sentava no fundo da sala, as pernas cruzadas em posição de lótus, o livro disfarçado no colo. Não entendi vários –vários– dos capítulos que tratavam de história política do sul do país. E me apaixonei por Rodrigo Terra Cambará, binesto do Capitão Rodrigo e de dona Bibiana, principal personagem do volume “O Retrato”. Quase perdi nas três disciplinas. Voltei milagrosamente para a média azul nas provas finais. Era o fim precoce da adolescência.
Atualização no dia 14/03, às 18h44 – por aqui, leia sobre a adaptação para o cinema de “O Tempo e o Vento”, que soube pelo blog Mundo Livro.
Esses dias me ocupei com umas cartas antigas e livros em que o escritor aparece. Vim aqui para deixar um vídeo e um trecho de algo que acabei de ler.
Então repórter, Clarice Lispector faz perguntas a Érico em fins dos anos 1960. A íntegra está no volume “Entrevistas”. É organizado por Claire Williams, saiu pela Rocco. Além desta com Érico, há mais três dezenas de conversas com gente de todas as áreas, de Elis a Millôr, de Neruda a Zagallo.
E lá vai a primeira pergunta, nada simples.
-Érico, por que você acha que não agrada aos críticos e aos intelectuais?
-Para começo de conversa, devo confessar que não me considero um escritor importante. Não sou um inovador. Nem mesmo um homem inteligente. Acho que tenho alguns talentos que uso bem…mas que acontece serem os talentos menos apreciados pela chamada “crítica séria”, como, por exemplo, o de contador de histórias. Os livros que me deram popularidade, como “Olhai os Lírios do Campo”, são romances medíocres. Nessa altura me pespegaram no lombo literário vários rótulos: escritor para mocinhas, superficial etc. O que vem depois dessa primeira fase é bastante melhor mas, que diabo! pouca gente (refiro-me aos críticos apressados) se dá ao trabalho de revisar opiniões antigas e alheias. Por outro lado, existem os grupos. Os esquerdistas sempre me acharam acomodado. Os direitistas me consideram comunista. Os moralistas e reacionários me acusam de imoral e subversivo. Havia ainda essa história cretina de norte contra sul. E ainda essa natural má vontade que cerca todo o escritor que vende livro, a ideia de que best-seller tem de ser necessariamente um livro inferior. Some tudo isso, Clarice, e você não terá ainda uma resposta satisfatória à sua pergunta. Mas devo acrescentar que há no Brasil vários críticos que agora me levam a sério, principalmente depois que publiquei “O Tempo e O Vento”. Bons sujeitos!”
A engraçada modéstia de Érico, o sucesso com os leitores e a dureza dos críticos: quatro décadas depois, esses temas retornam na conversa de Luis Fernando Verissimo, filho de Érico, com Sérgio Rodrigues no Instituto Moreira Salles, no Rio. Estava por lá naqueles dias de janeiro e consegui assistir. Conhecido por seu laconismo, Luis Fernando falou bastante!, como se costuma prever nas circunstâncias em que vai tratar do pai. As perguntas de Sérgio, ótimas, ajudaram.
Encerro o post trazendo de volta uma das frases de Érico lá em cima: Some tudo isso, Clarice, e você não terá ainda uma resposta satisfatória à sua pergunta.
Mas até que enfim alguém que prefere o Doutor Rodrigo ao Capitão Rodrigo, como eu! Me apaixonei completamente pelo Doutor quando li “O tempo e o vento” (mas você é precoce demais, hahaha, eu fui ler com mais de 30 anos), e só posso creditar a fama maior que tem o Capitão ao Tarcísio Meira e às edições individuais que foram feitas dos capítulos em que ele aparece. Acho o Doutor muito mais “personagem”, se é que você me entende. Eu me apaixonei de verdade, assim como caí de amores pelo Aquiles e pelo Carlos da Maia… 🙂 Beijos
Gabi, mas eu me apaixonei de verdade mesmo! O capitão tem aquelas bravatas que atraem o público. O doutor tem charme e densidade… Quem faria um bom doutor Rodrigo Terra Cambará? O George Clooney? 🙂
Hmm, não sei, acho que pensaria mais em alguém como o Rodrigo Lombardi… 🙂
isso! muito bem lembrado!
Em “De Corpo Inteiro” Marques Rebêlo pergunta a Clarice se ela se considera uma escritora brasileira, segundo Rebêlo, em geral a literatura brasileira sofre de ausência de densidade e Clarice consegue ser densa. Na entrevista de Érico destacaram a frase: “Não sou profundo. Espero que me desculpem”.
Gostei tanto do post que adquiri hoje mesmo em um sebo o tal livro de entrevistas da Clarice.
Por sinal, tenho “A Descoberta do Mundo” também, mas está na estante esperando sua vez.
Parabéns pelo blog, está no meu “Favoritos”.
Claudio, esse livro é muito bacana. As perguntas que ela faz, as respostas dos entrevistados…
Apareça!
Parte dessas entrevistas de Clarice tb estão no volume”A Descoberta do Mundo” ,livro para ler, reler, consultar , deixar junto do travesseiro etc.. Agora é fácil saber pq o LFV fala pouco, ele fica guardando p/ momentos especiais como esse que vc teve a gentileza de nos mostrar. Valeu!
Celio, não lembrava que estava no “A Descoberta do Mundo”. O meu volume, alias, emprestei a alguem e nunca mais.
No dia dessa conversa, Lucia, a mulher do Luis Fernando, fez um comentário engraçado no fim. Disse algo como “ele agora vai ficar três meses sem falar, porque gastou tudo aqui”.
Amo Érico Veríssimo! Acho que ele não foi comtempado com justiça, como um dos maiores escritores brasileiros.
Mirian, atualizei o texto com um link sobre a adaptação para o cinema.
Gosto muito dessas curiosidades literárias que você lança no seu blog. A propósito, ainda estou esperando a lista de blogs que falam sobre livros. Parabéns pelo o seu trabalho!
obrigada, Chagas. Está prometida a lista 🙂