Lezama Lima, mitos e Josely
14/02/12 12:24Escutava várias coisas sobre Josely Vianna Baptista antes de conversar com ela.
Grande poeta que publica pouco, tal é seu perfeccionismo; tradutora caprichosa de autores importantes de língua espanhola; “uma mulher muito bela”, me confidenciou, antes de um suspiro, certo escritor uma vez — jamais contarei quem.
Não fosse por essas virtudes para reconhecê-la, existia em sua trajetória um assombro em particular: a famosa tradução, aos 20 e poucos anos, do monumental “Paradiso”, único romance em vida do poeta cubano Lezama Lima (1910-1976) publicado por aqui pela Brasiliense em 1987. Empreendimento difícil principalmente pelo seu estilo, experimental barroco.
A primeira vez que trocamos e-mails, um ano atrás, eu a procurei porque queria escrever uma das notas da “Painel das Letras”, coluna que assinava na Folha. A trabalho, e talvez pelo que conhecia de seus feitos, fui bastante cerimoniosa.
Josely estava –e ainda está— às voltas com uma retradução do “Paradiso”, 25 anos depois, para a Estação Liberdade. A previsão era publicar ano passado, mas não deu, ainda. Falta pouco, ela me disse outro dia.
A poeta não quis aproveitar nada da primeira tradução. Preferiu partir do zero. Isso, claro, me causou e causa espanto nos interlocutores.
Ninguém usava computador à época, então não há arquivo digital. O receio é também, como disse, o de “plagiar a si mesma”.
Ela me escreveu: “Deixei de lado a versão anterior e me aventurei, agora com a experiência de mais de 50 obras traduzidas, várias do próprio autor, e com a bagagem de duas viagens de prospecção à Cuba de Lezama Lima e a suas eras imaginárias.”
O ponto de partida agora é a edição crítica da Colección Archivos/Unesco, coordenada por Cintio Vitier, que também não existia naquele tempo.
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Conheci uma Josely bem mais informal poucos meses depois pelo Facebook – na década de 1930, trocaríamos cartas?
Publiquei no meu mural duas imagens que chamariam obviamente a atenção de quem gosta da poética dos mitos. Foi quando a conversa recomeçou.
Uma imagem era a de uma árvore que dizem sagrada. Iroko, que representa o tempo para os iorubás, começa a ser ameaçada de extinção na Bahia, onde as construtoras avançam agora com maior ferocidade sobre a natureza.
A outra imagem, de Yemanjá, a divindade iorubá que guarda o mar, estava num azulejo do gravurista e pintor Calazans Neto (fiz um post no antigo blog) que fotografara naqueles dias.
Depois tratamos da semelhança dos nossos nomes (que vêm todos de José) e no quanto as pessoas costumam confudi-los; mais tarde, me anunciou seu “Roça Barroca”, livro que estava para sair pela Cosac Naify; da última vez, me lembrou de “La Giraldilla”, guardiã da baía de Havana (vá por aqui para ler a respeito, em espanhol), a linda imagem que posto abaixo. Bahia, Cuba e seus cinco séculos.
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Na mala de viagem do fim-de-ano, levei para a Bahia o “Roça Barroca” –parte do volume reúne uma seleção do “Ayvu Rapyta”, mito da criação dos Mbyá-Guarani, a outra parte, poemas feitos durante a tradução.
Não era exatamente feriado para mim, pois precisava fazer muitas pesquisas e entrevistas para um projeto que, espero, ficará pronto até julho.
Repassava certa tarde toda a coleção da “Exu” – o “mensageiro”, outra divindade iorubá –, revista literária baiana que circulou na década de 1990. Numa dupla de páginas, ali estavam: as primeiras traduções do “Ayvu Rapyta”, com que Josely já se ocupava duas décadas atrás.
Não sei você, leitor, mas eu adoro essas coincidências.
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Fiz esse pequeno texto sobre o “Roça Barroca”, publicado na Folha no último fim-de-semana, para ler sua íntegra vá por aqui.
Deixo, por fim, o trecho de um dos poemas de Josely incluídos no “Roça Barroca”, “Guirá Ñandu”, com o qual me identifico por várias razões, principalmente agora, em que ando tão metida numa grande pesquisa.
quem sabe o paraíso
que descrevem os antigos
não esteja além do vasto
nevoeiro e sargaço
mas no árduo percurso
vencido passo a passo
sem bússola ou mapa do céu
em pergaminho
A foto da capa de “Roça Barroca” é de Miguel Rio Branco.
oi joselia, dê uma olhada lá no
http://www.torvelim.blogspot.com, acho que pode
gostar da conversa com o livro de josely.
abraço.
m.
Manoel, sim, gostei muito, eu tinha visto quando Josely postou no Facebook. 🙂 Vou te escrever no email. Um abraço.
Graças a http://www.tvhd.com.br a Sky nunca mais vai ver a cor do meu dinheiro
jose é belíssima e de sensibilidade finíssima
sim, ela é!
Venho sempre dar uma olhadinha aqui e saio cheia de referências!
obrigada, Elaine
vai ser arretado poder ver as duas traduções, comparar trechos.
fiquei curioso para ver como vai estar um trecho ótimo do comecinho do livro (ainda não foi o momento de eu conseguir ir até o final):
uma fala da Avó (os trechos em que ela está na cozinha são deliciosos). eis:
“- Hoje estou com vontade de fazer um creme, não como os que se comem hoje, que parecem de botequim, mas os que têm algo de flan, algo de pudim”.
poxa, isso, entre eu e uns amigos, virou bordão: “algo de flan, algo de pudim”.
=]
amei a postagem.
que bom, Nilton, apareça
Estou envaidecida e orgulhosa desta querida amiga com quem passei uma feliz adolescência. Que lindo trabalho! Como se não bastasse, agora sei que é poetiza! Parabéns! Que tuas palavras e idéias estejam sempre banhadas de soro Divino! Que o sucesso , a alegria e a satisfação, estejam sempre do teu lado!Beijos.
Estou envaidecida e orgulhosa desta querida amiga com quem passei a adolescência.que trabalho lindo! Como se não bastasse, agora sei que é poetiza! Beijos e que o sucesso continue do teu lado!
Josélia, que belíssima capa, essa do Roça Barroca, e que título bom. No mais, grande coluna, estarei sempre por aqui te espiando pensar. Bj
obrigada, Katia
apareça.beijo enorme.
Jo,
que maravilha.
Sou fã da Josely tradutora, a quem não conheço pessoalmente, mas que tanto li através de Lezama, Borges e outros mais.
Não conhecia a poeta que, pelo exemplo, é excelente.
Beijos!
ps. E imenso sucesso, inevitável, no novo espaço.
Júlio, que bom que gostou. Apareça!
Muito interessante, não conhecia e fiquei muito curiosa! Parabéns pelo novo blog!
obrigada, Anabela